Amadeu Rossi, 94 anos; há mais de 70 enfurnado em livrarias úmidas e escuras do hipercentro de Belo Horizonte. Fundador e proprietário do primeiro sebo da capital, o senhor de raros cabelos e aparência cansada – reflexo do quase um século de vida – se aproxima devagarinho e abre um grande sorriso. “Você é o repórter que veio me entrevistar?”, perguntou seu Amadeu. “Vim conhecer um dos personagens mais antológicos da cena cultural de BH”, respondi tentando retribuir a simpatia.
Seu Amadeu logo procura um banquinho para sentar. Devidamente confortável, começa a destrinchar suas histórias. Se orgulha em dizer que já vendeu livros pra 3 a 4 gerações. A livraria, há 61 anos em funcionamento, foi montada a partir da compra de 800 livros do renomado escritor mineiro, Milton Pedrosa. A partir disso, Seu Amadeu foi vendendo e comprando de vários intelectuais, políticos e curiosos que passavam por ali. Diz com orgulho ter recebido a visita do ministro Paulo Brossard (Ministro da Justiça, no governo de José Sarney), do ex- presidente Tancredo Neves, Deputado Bonifácio Andrada (PSDB/MG) e do ex- governador fanfarrão Newton Cardoso.
Entre compras e vendas, Seu Amadeu lembra que quase sempre aproveita para dar uma conferida nos livros que chegam ao Sebo. Se emociona ao falar da obra “Coração”, de Edmundo Amicis (1846-1908), e “Memórias”, de Humberto de Campos (1886- 1934); suas preferidas. Faz a opção de ler pela madrugada, de 2 às 4 da manhã e acorda cedo para acompanhar seus dois filhos na rotina do sebo ao longo do dia.
Ao nos despedirmos, Amadeu entrega-me um calendário com o telefone e endereço da livraria. Percebo um sorriso despojado e sacana, como o de um moleque travesso. Agradeço e saio em direção à rua. Ao chegar à calçada, viro despretensiosamente o calendário ao contrário. Vejo uma mulher loira seminua com seios à mostra. Olho novamente para a livraria e observo, no sorriso daquele velho senhor, a alegria de um menino, como Benjamin Button (daquele filme legal, um dos concorrentes ao Oscar); Um corpo idoso e um espírito infantil. Talvez o ambiente lúdico tenha esse efeito...
